Ao contrário do que muita gente pensa, as ideias em si não são passíveis de apropriação intelectual no campo do direito autoral brasileiro, como diz o inciso I do art. 8º da Lei nº 9.610/98:

 

Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:

I – as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;

 

Assim, o que se pode apropriar por meio do regime de direito autoral são as expressões das ideias. Isto significa que a ideia não tem dono e nem exclusividade, podendo ser livremente desenvolvida por qualquer um, e o que, efetivamente, se protege pelo direito autoral é a expressão original da ideia.

Pode-se melhor ilustrar com um exemplo: não é possível ter a propriedade autoral da ideia de um filme sobre alienígenas que invadem a terra e causam a destruição da raça humana. É possível, contudo, obter a propriedade autoral da expressão, do desenvolvimento original e criativo dessa ideia de base, como em A Guerra dos Mundos, Marte Ataca, Independence Day etc. Nota-se que são as particularidades criativas desenvolvidas da ideia de base que identificam e individualizam a obra passível de propriedade autoral:

 

Fundamentalmente, o trabalho criativo é de um só tipo, seja no campo das ideias abstratas, das invenções ou das obras artísticas. O que se protege é o fruto dessa atividade, quando ela resulta em uma obra intelectual, ou seja, uma forma com unidade suficiente para ser reconhecida como ela mesma.[1]

 

É o desenvolvimento criativo e original – em suas particularidades como personagens, suas relações, nomes próprios, modelos de itens e objetos etc. – que individualiza a obra perante todas as outras e caracteriza a criação intelectual do autor. O que se almeja é a originalidade da expressão e do desenvolvimento da ideia.

Da mesma forma isso se aplica não apenas às criações artísticas, mas também aos softwares: ninguém pode deter a propriedade intelectual da ideia de um software de planilhas ou edição de texto, por exemplo, mas sim apenas quando seu código-fonte propiciar um desenvolvimento e características específicas originais no tratamento do objeto da ideia inicial, somente aí pode-se pensar em direito autoral de software.

O próprio Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, já explicitou esse entendimento (Recurso Especial nº 1.189.692 – RJ):

 

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. AQUARELA DO BRASIL. ROTEIRO⁄SCRIPT. MINISSÉRIE. ART. 8.º, INC. I, DA LEI 9.610⁄1998. APENAS AS IDÉIAS NÃO SÃO PASSÍVEIS DE PROTEÇÃO POR DIREITOS AUTORAIS.

1. É pacífico que o direito autoral protege a criação de uma obra, caracterizada como sua exteriorização sob determinada forma, não a ideia em si nem um tema determinado. É plenamente possível a coexistência, sem violação de direitos autorais, de obras com temáticas semelhantes. (art. 8.º, I, da Lei n. 9.610⁄1998).

2. O fato de ambas as obras em cotejo retratarem história de moça humilde que ganha concurso e ascende ao estrelato, envolvendo-se em triângulo amoroso, tendo como cenário o ambiente artístico brasileiro da década de 40, configura identidade de temas. O caso dos autos, pois, enquadra-se na norma permissiva estabelecida pela Lei n. 9.610⁄1998, inexistindo violação ao direito autoral

3. Por mais extraordinário, um tema pode ser milhares de vezes retomado. Uma Inês de Castro não preclude todas as outras glosas do tema. Um filme sobre um extraterrestre, por mais invectivo, não impede uma erupção de uma torrente de obras centradas no mesmo tema” (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2. ed., ref. e ampl. Rio de Janeiro: renovar, 1997. p. 28).

4.Recurso especial a que se dá provimento para julgar improcedente o pedido inicial.”

 

Esse é o princípio da originalidade que rege o ramo do direito autoral brasileiro; e é princípio que rege a ala do Direito Autoral dentro do ramo da Propriedade Intelectual, diferentemente da sua outra ala irmã, a Propriedade Industrial das patentes e desenhos industriais.

O corolário do princípio da originalidade é que não é necessário nenhum tipo de registro para ter sua obra original protegida, basta que ela seja efetivamente exteriorizada, ou seja, que haja uma prova de primeira titularidade da obra. Claro, há a possibilidade de registro, por exemplo, na Biblioteca Nacional para obras literárias, mas tal registro serve apenas como uma prova que pode vir a ser desconsiderada pelo juiz se houver outra mais antiga. Publicações em blog, e-mails contendo a obra, vídeo em plataformas da web etc., são, por exemplo, provas com possível poder probatório suficiente para desconsiderar o registro na Biblioteca Nacional.

Assim, não é preciso se preocupar tanto com plágio apenas por estar criando uma obra com tema batido ou já existente. O plágio é juridicamente de difícil caracterização, sendo necessário não só a mera cópia servil (isto é, literal cópia fidedigna de vários aspectos de outra obra), mas o intento fraudulento, isto é, ser a cópia tão óbvia que o plagiador não poderia não ter percebido.

Assim, caso você venha a ter uma ótima ideia para uma obra artística – literária, musical, fotográfica, software etc. – saiba que a sua mera ideia não está protegida pelo Direito Autoral; recomendamos, portanto, antes de dizê-la a outros, exterioriza-la você mesmo em algum meio que deixe provas.

 

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[1] SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propiedade industrial, direito de autor, software, cultivares, nome empresarial, abuso de patentes. Pg. 12.

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