O direito autoral brasileiro, estruturado pela Lei nº 9.610/1998, tem como um dos seus fins a proteção às expressões e manifestações diferenciadas das ideias. O que isso quer dizer? Quer dizer que as ideias, em si mesmas, não são protegidas pelo direito autoral brasileiro, mas apenas suas expressões e manifestações. Tomemos um exemplo: A ideia de uma novela/filme sobre um romance proibido entre jovens de classes sociais diferentes que acaba em tragédia não pode ser alvo de proteção autoral, porque carece de originalidade pelo menos desde Romeu e Julieta. O que se protege, neste caso, é a ideia desenvolvida em obra autônoma, com suas peculiaridades próprias (título, nome de personagens, localidades, diálogos etc.), e é aí que entra o critério de “originalidade” exigido pela legislação autoral. Assim, é possível existir, em legalidade, inúmeras obras criadas a partir da mesma ideia, desde que cada uma seja expressada de maneira original em suas particularidades e relações.

Em outro exemplo, o software é, conforme a artigo 2º da Lei nº 9609/1998, abarcado pelo regime de proteção do direito autoral, e a lógica expressa no primeiro parágrafo se replica: é possível existir inúmeros softwares oriundos de uma mesma ideia, como de fato existem vários softwares de edição de texto, confecção de planilhas, automação financeira/industrial etc., o que se protege são as formas específicas e originais nos quais a ideia é expressada como layout, relação entre funcionalidades etc.

Em visto disso, o plágio, embora uma das possíveis formas de violação de direitos autorais, não possui na legislação atual um conceito legal precisamente descrito; trabalho este foi feito pela doutrina, que assentou que o plágio se configura por uma “imitação servil ou fraudulenta de obra alheia”[1]. Há, portanto, certos requisitos para que uma conduta se configure como plágio: além de utilização não autorizada da obra, esta utilização tem que ser uma imitação servil ou fraudulenta. Por servil entende-se a imitação idêntica ou com diferenças que pouco distinguem-se da obra original, aliado com intuito claramente fraudulento de tentativa de usurpação de autoria da obra; este último requisito sendo, portanto, de caráter subjetivo: a clara intenção consciente de apropriar-se de obra alheia para fins próprios.

Em um caso importante para o direito autoral brasileiro – Recurso Especial nº 1.189.692–RJ -, uma autora de livros infantis, Sr.ª Eliane Ganem, acusava o autor de novelas da Rede Globo, Lauro César Muniz, de plágio por ter supostamente se apropriado de uma ideia sua em minissérie da emissora chamada “Aquarela do Brasil”. Eliane argumentava que não apenas sua ideia principal mas também o seu desenvolvimento havia sido plagiado. A minissérie foi exibida pela TV Globo em 2000 e, ambientada no Rio de Janeiro dos anos 40, contava a história de uma jovem humilde que depois de participar de um concurso virou estrela do rádio. O argumento de Eliane, também chamado de Aquarela do Brasil, por sua vez, foi registrado na Biblioteca Nacional em 1996 e contava a história de uma jovem atriz em ascensão.

O Superior Tribunal de Justiça então entendeu que:

 

Para o relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, não é possível deter direito sobre temas: “É pacífico que o direito autoral protege apenas uma obra, caracterizada a sua exteriorização sob determinada forma, não a ideia em si nem um tema determinado. Sendo assim, é plenamente possível a coexistência, a meu juízo, sem violação de direitos autorais, de obras semelhantes.” Obras distintas podem partir de situações idênticas e se individualizar de acordo com a ótica e estética de cada autor.

Em seu voto, o ministro citou grandes doutrinadores da matéria, como Hermano Duval, para quem a ideia e a forma de expressão são coisas independentes. Se duas obras, sob formas de expressão diversas, contêm a mesma ideia, nenhuma das duas pode ser considerada plágio. E não somente porque a forma de expressão é diversa, mas porque a ideia é comum, pertencendo a todos. “Não pertence exclusivamente aos autores das obras em conflito, pertence a um patrimônio comum da humanidade”, diz Hermano Duval.

Percebe-se pelo acórdão que a conduta de plágio é, ao contrário do que se pensa, de difícil caracterização, visto que facilmente confunde-se a ideia original – recorrentemente utilizada – com as várias expressões elaboradas a partir dela. O plagiador não atua se utilizando da ideia original, mas faz uso de obra, ou parte dela, já existente, para seus próprios fins, passando-se como o autor.

Deve-se lembrar que o plágio é uma infração séria porque atinge, ao mesmo tempo, as duas dimensões do direito autoral brasileiro: a moral e a patrimonial. O plagiador, ao se passar pelo autor da obra, furta o crédito e o prestígio pela criação da obra, impedindo o verdadeiro criador de gozar do direito moral de ser reconhecido como o criador perante a sociedade e a si mesmo. Do mesmo modo, e no mesmo ato, caso haja a tentativa de comercializar a obra plagiada, o plagiador infringe os direitos patrimoniais ao auferir lucro que, a rigor, deveria ter ido para o criador. Visto a seriedade dos ilícitos que o plágio pode implicar, não é surpresa que o direito pátrio tenha eleito dois critérios bem específicos para a sua caracterização – imitação servil ou fraudulenta.

Por fim, o plágio, embora já tenha construção teórica fundamentada pela doutrina e ocorrências sedimentadas em jurisprudência, ainda continua matéria de discussão constante e abstrata, visto que cada caso tem que ser medido no grau de originalidade em questão que se distancia da ideia original ou de outra obra.

 

 

[1] BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 4. ed., 2004

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