Contrariamente ao que se pensa, os princípios de responsabilidade civil da liberdade de expressão aplicam-se largamente ao ambiente virtual das redes sociais e congêneres; a internet não é terra sem lei.

Claro, a Constituição Federal consagrou a liberdade de expressão como um dos princípios fundamentais da República (artigo 5º, inciso IV), mas, ao mesmo tempo, a liberdade de expressão encontra-se limitada à observância de outros direitos fundamentais, com admissão da interferência do Estado para “proibir o anonimato (inciso IV), para impor o direito de resposta e a indenização por danos morais e patrimoniais e à imagem (V), para preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (X), para exigir qualificação profissional dos que se dedicam aos meios de comunicação (XIII) e para que se assegure a todos o direito de acesso à informação (XIV)[1]”.

Desta forma, a liberdade de pensamento e opinião é completamente compatível com o regime de responsabilização civil, mesmo em âmbito virtual. Contudo, assim como não podemos, na vida civil concreta, sair por aí falando inverdades injuriosas ou caluniosas e denegrir a honra e/ou a reputação de alguém, também não podemos fazê-lo virtualmente. Você é responsável pelo que publica, compartilha e até mesmo curte nas redes sociais, quer seu perfil corresponda à sua pessoa ou não.

O ato de “postar”, compartilhar, curtir ou comentar é uma tomada de posicionamento com visibilidade pública e, assim, se alguém se posiciona publicamente e favoravelmente diante de um fato inverídico, uma ofensa, uma calúnia etc., poderá torna-se juridicamente responsável por esse posicionamento. Que o originador do post ou conteúdo inverídico, calunioso etc., seja responsável é intuitivo, mas o que escapa muita gente é que quem curte e/ou compartilha, isto é, amplia a visibilidade do conteúdo ilícito, também pode se ver responsabilizado juridicamente pelos danos causados.

De exemplo, recentemente um boato falso espalhado em rede social levou à uma tentativa de linchamento de um casal[2] e que, além das agressões físicas sofridas, teve seu carro incendiado pela turba. Como consta da notícia, a investigação averiguou quem originou o boato inverídico e, consequentemente, quem o compartilhou, aumentando o escopo do crime[3]. Nesse caso, é possível requerer reparação dos danos materiais e morais sofridos tanto de quem divulgou como de quem realizou o ato.

Em outro exemplo[4], um casal de empresários foi condenado a pagar R$ 7.500,00 reais a título de indenização por postar no facebook que foram vítimas de um golpe perpetrado pelo posto combustível que tentaram abastecer. O problema todo se deu por uma falha no abastecimento do veículo do casal, tendo como causa falhas técnicas nos aparelhos do posto e da falta de experiência do frentista: no painel da bomba constava o valor de R$ 50,00 referente a abastecimento anterior, o que induziu o frentista a erro. A postagem do casal recebeu mais de 9 mil curtidas e rendeu até mesmo ligações da Petrobrás Distribuidora à dona do posto, preocupada com a imagem da empresa. A dona do posto em questão tentou diversas vezes reparar o prejuízo do casal, sendo recebido com agressões verbais. O juiz Zanilton Batista Medeiros ressaltou que o comentário se mostrou açodado e irresponsável, pois fora feito sem ao menos ocorrer requerimento para abertura de inquérito para apuração dos fatos. Concluiu:

 

“Tal comentário transborda o direito de crítica e a liberdade de expressão em relação ao serviço defeituoso, pois macula a imagem da pessoa jurídica, na medida em que coloca o defeito na prestação do serviço, fato da seara consumerista, como um algo criminoso, com contornos de estelionato”.

 

Por mais que nos sintamos ultrajados ou “roubados”, na linguagem popular, deve-se ter bastante cuidado com críticas às pessoas ou empresas nas redes sociais; mesmo que de fato venha a ser comprovado que ocorreu algum ilícito civil ou penal, é importante ser prudente com os comentários publicamente visíveis antes de qualquer averiguação por meios legais.

Deve-se notar que, para gerar indenização, é preciso que fique comprovado que a curtida, o compartilhamento e o comentário tenham incidido na ocorrência do dano; e é nesse sentido que mesmo quando não há crime tipificado em lei, se o conteúdo digital causar dano para alguém, cabe reparação civil. Em todo o caso, ainda que as curtidas em um post não sirvam de evidência para fins de responsabilização de quem curtiu, ainda auxiliam na majoração do valor da indenização por servirem de parâmetro de alcance e notoriedade social do conteúdo ilícito.

A responsabilização por ilícito digital se aplica não só às redes sociais strictu sensu, mas também à grupos de mensagem instantânea como o WhatsApp. Em exemplo[5], a 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão unânime, condenou uma administradora de grupo de WhatsApp por ofensa sofrida à um dos membros do grupo. No caso, após uma discussão, a autora da ação julgada foi chamada de “vaca”, e não apenas a administradora do grupo não tomou nenhuma atitude contra a ofensora, mas ainda deu sinais de aprovação do ato ao enviar emojis sorridentes. O desembargador Soares Levada comentou:

 

“[A administradora do grupo] É corresponsável pelo acontecido, com ou sem lei de bullying, pois são injúrias às quais anuiu e colaborou, na pior das hipóteses por omissão, ao criar o grupo e deixar que as ofensas se desenvolvessem livremente. Ao caso concreto basta o artigo 186 do Código Civil”.

 

Até mesmo administradores de grupos do WhatsApp, fugazes que são, podem ser responsabilizados por omissão caso em seus grupos ocorram ilícitos civis ou penais a depender da sua ação ou omissão.

Por isso, é importante ter em mente que o compartilhamento, comentário ou postagem de conteúdo inverídico calunioso, difamatório, injurioso que denigre a imagem, privacidade, intimidade, honra alheia é crime passível de responsabilização tanto no âmbito civil quanto no penal; logo, em qualquer meio de comunicação digital, deve-se prezar pela prudência e cuidado com a expressão/aprovação de uma opinião ou conteúdo.

 

[1] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, pg. 409 – 410.

[2] http://g1.globo.com/hora1/noticia/2017/04/boato-em-rede-social-faz-multidao-tentar-linchar-casal-no-rj.html

[3] http://g1.globo.com/rj/regiao-dos-lagos/noticia/2017/04/apos-tentativa-de-linchamento-policia-busca-origem-de-boato-no-whatsapp.html

[4] https://www.conjur.com.br/2018-jul-22/casal-pagara-75-mil-postagem-ofensiva-rede-social

[5] https://www.conjur.com.br/2018-jun-22/administrador-grupo-whatsapp-responde-ofensa-entre-membros

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