A pandemia de Covid-19 trouxe à tona uma nova realidade em que se torna cada vez mais difícil distinguir o horário de trabalho durante o dia, porque, com o home office, as cobranças passaram a amiúde extrapolar a antes nítida barreira entre trabalho e vida privada.  Esse contexto coincidiu com a adição do burnout à nova classificação internacional de doenças e problemas associados à saúde (CID-11)[1], no início deste ano, e com a difusão do termo.

Um trabalhador se encontra em burnout quando se sente exausto, esgotado, sentimentos negativos relacionados ao emprego, senso de ineficiência, falta de realização, incapacidade de continuar a performar bem diante às demandas do trabalho, tendo que muitas vezes se afastar para cuidar da saúde mental. A CID encaixa o burnout especificamente no contexto ocupacional, não podendo ser usada para descrever situações fora da relação empregatícia.

Embora para a CID o burnout não seja considerado uma doença ocupacional, mas uma situação oriunda da relação de trabalho, para a Justiça brasileira a síndrome consta na lista de doenças relacionadas ao trabalho, ao estar presente em portaria de 1999 do Ministério da Saúde, por exemplo. O esgotamento pelo trabalho já era levado em consideração em disputas trabalhistas – agora, com mais conhecimento sobre a condição, se espera que o volume de casos aumente, assim como as situações limítrofes.

O problema é, justamente, provar a existência do burnout e fundamentar o nexo causal suficientemente bem para ensejar uma indenização por danos morais. Diferentemente do estresse, o burnout é necessariamente relacionado à relação de trabalho, o que impõe que, para caracterizá-lo, é necessário provar que o trabalho, em alguma medida, foi a causa dos problemas na saúde mental do trabalhador. O problema não escapa do elemento da subjetividade porque, por exemplo, em um ambiente de baixo risco, alguém muito predisposto poderia ficar esgotado, mas poucas outras pessoas terão esse quadro, caso em que seria temerário afirmar ser culpa do trabalho. Já em um ambiente de alto risco e muitos estressores, diversas pessoas ficarão esgotadas, de modo que nexo com sentido de culpa ou responsabilidade fica mais claro, o que também impõe a dificuldade de sopesar uma situação que é da natureza do trabalho estressante com o dever de indenizar do empregador. Saber em que medida o trabalho colaborou para o quadro de burnout se mostra consideravelmente difícil.

Malgrado todas essas dificuldades interpretativas, na justiça o burnout tem sido apresentado mais como um cofator colaborador para o lúgubre quadro mental do trabalhador. Por exemplo, foi o que se constatou no caso de uma ex-funcionária de fundo de investimentos que prestava assistência a 24 diretores e era constantemente demandada. Nesse caso, o perito escreveu:

A ocorrência da síndrome do esgotamento profissional foi um fator de risco capaz de agravar a doença ou atuar de forma concorrente no aparecimento do dano, considerando tempo e intensidade de exposição.[2]

Fica claro, portanto, que as condições do trabalho em si não causam burnout, mas podem apenas desencadeá-lo em pessoas com alguma predisposição individual, o que mais corrobora para um quadro geral de de problemas psicológicos que, a depender do caso, pode fundamentar a pretensão ao dano moral. Por si só o burnout dificilmente é suficiente para a viabilizar pretensão do trabalhador diagnosticado.

 

[1] https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http://id.who.int/icd/entity/129180281

[2] 1001661-38.2019.5.02.0070