A pandemia do Covid-19 estabeleceu um novo padrão de marketing ao praticamente forçar as empresas a se flexibilizarem no mundo digital e, com isso, velhas práticas se intensificaram e novas surgiram. Pode-se mesmo dizer que se multiplicaram as postagens em redes sociais e plataformas digitais que divulgam não apenas as marcas, mas também os produtos, serviços empresariais e atividades de profissionais liberais porque, como não cansam de nos lembrar os estrategistas digitais, faz-se necessário demonstrar a imponência da atividade econômica ao crescente público consumidor que prefere fazer compras no conforto de casa.

Nesse contexto, os empreendedores e profissionais liberais abrem as imagens das estruturas de suas atividades econômicas, o que inclui a participação de seus “colaboradores” (trabalhadores subordinados) com o próprio nome, voz, imagem nas divulgações de produtos e serviços. Também, não é incomum o impulso de demonstrar suposta sensibilidade humana em relação aos “colaboradores”, o que significa reconhecer a valorização social de seus trabalhos, devendo-se expor nomes, vozes e imagens desses empregados em datas comemorativas, reveladas em publicações de fotos, vídeos, áudios e mensagens de reconhecimento de seus serviços prestados. O aumento da utilização do nome, da voz e da imagem dos empregados em redes sociais e plataformas digitais como um meio de incremento do marketing, contudo, implica um importante questionamento jurídico: À tais empregados e colabores resta algum direito a respeito da exposição digital de seu nome, voz e imagem?

Que o empregado, devido ao princípio da subordinação, deve se sujeitar a certas exigências típicas da função a ser exercita, como, por exemplo, o uso de uma vestimenta específica, é fato notório. Contudo, o uso da imagem e correlatos para fins propagandísticos não se insere nesse rol de exigências subordinativas porque o empregado não é destituído do direito de proteção à intimidade, à vida privada, à imagem, ao nome e à voz enquanto presta serviços devido à sua robusta proteção constitucional. De fato, tais direitos são elencados como “fundamentais” da pessoa física e encontram-se bem delineados no art. 5o, V, X, XXVIII, LXXIX da Constituição Federal, incidindo, inclusive, sobre atividades laborais.

Se a proteção constitucional não bastasse, pode-se incluir, primeiramente, a regulamentação dos direitos de personalidade dos arts. 11 a 21 do Código Civil brasileiro (CC) sobre as relações de trabalho, sendo os empregados contemplados pelo diploma civil no ambiente de trabalho, ou seja, o nome e a integridade física, de modo que a incolumidade moral dos empregados não pode ser usada em propagandas e marketings digitais sem a sua autorização. Ato contínuo, pode-se incluir a recente inovação e aplicação legislativa da Lei de Proteção de Dados (LGPD) no arcabouço protetivo disponível ao trabalhador/colaborador porque o arquivamento de descrições do nome, fotos e vídeos dos empregados em meio próprio ou de terceiros se constituem banco de dados e quando são expostos em redes sociais ou plataformas digitais (postagens, publicações, repostagens, republicações) configuram “operação de tratamento de dados”. Não é coincidência que a proteção de dados da pessoa humana, de uma maneira geral, incluindo o universo digital, agora integra o rol dos direitos e garantias fundamentais da Constituição, resultado do acréscimo promovido pela recente Emenda Constitucional nº 115, de 10 de fevereiro de 2022, em harmonia com o art. 1o da Lei Geral de Proteção de Dados:

LXXIX — é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 115, de 2022)

[…]

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

Diante de toda essa rede de proteção, é óbvio que a vida privada, a intimidade, o nome, a voz e a imagem dos empregados não podem ser usadas para desprezo público, assim como também não podem ser utilizados sem a devida autorização para simples exploração comercial em favor dos empregadores no mundo digital (redes sociais, plataformas digitais). Necessita-se disposição contratual explícita, clara e objetiva acerca da utilização desses dados que constituem extensão da personalidade do trabalho, principalmente quando há a intenção de comercialização de produtos e serviços e, mais precisamente, um valor específico a mais sobre o salário do empregado para realizar tratamento de tais dados com finalidades de marketing digital. Esse pagamento adicional deve levar em consideração a quantidade de postagens, repostagens mensais dos dados audiovisuais dos empregados em redes sociais e plataformas digitais a ser quitadas todos os meses trabalhados.

Aliás, na jurisprudência da Justiça do Trabalho prevalece há anos o entendimento de que o empregador deve compensar o empregado no uso de sua imagem, nome e voz para fins comerciais. No plano da exposição de dados (nomes, imagens e vozes) dos empregados em redes sociais e plataformas digitais:

USO NÃO AUTORIZADO DA IMAGEM DO EMPREGADO EM PUBLICIDADE DA EMPREGADORA – INDENIZAÇÃO DEVIDA. Nos termos do inciso X do art. 5º da CF, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” e, de acordo com o art. 20 do CCB, “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. No caso, não há sequer alegação de que no contrato de trabalho se tenha incluído algum tipo de cláusula relativa ao uso da imagem do empregado e, ainda, a prova oral deixa claro que o empregado foi obrigado a fazer parte das publicidades da empregadora. Ademais, a violação do direito à imagem caracteriza-se justamente pela ausência da autorização do titular, podendo deste uso advir prejuízos de ordem moral, material ou ambos, concomitantemente. Sentença mantida. (TRT-PR-12085-2006-029-09-00-5-ACO-19908-2012 – 6A. TURMA, Relatora: SUELI GIL EL-RAFIHI, Publicado no DEJT em 04-05-2012).

Em síntese, o empregado deve consentir expressamente, sem vício e por escrito, sobre a exposição do seu nome, imagem e voz (tratamento de dados) para fins de propaganda comercial do seu empregador (profissional liberal, empresa) em redes sociais e plataformas digitais, recebendo uma remuneração adicional conexa ao contrato de trabalho, sob pena de o empregador restar suscetível de condenação em indenização por dano extrapatrimonial e material na Justiça do Trabalho.

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